sábado, 19 de dezembro de 2009

Sensatez...

Cirurgia de Lipoaspiração
por Herbert Vianna

Pelo amor de Deus, eu não quero usar nada nem ninguém, nem falar do que não sei, nem procurar culpados, nem acusar ou apontar pessoas, mas ninguém está percebendo que toda essa busca insana pela estética ideal é muito menos "lipo-as e muito mais piração?"

Uma coisa é saúde outra é obsessão. O mundo pirou, enlouqueceu. Hoje, Deus é a auto imagem. Religião é dieta. Fé, só na estética. Ritual é malhação. Amor é cafona, sinceridade é careta, pudor é ridículo, sentimento é bobagem. Gordura é pecado mortal. Ruga é contravenção.

Roubar pode, envelhecer, não. Estria é caso de polícia. Celulite é falta de educação. Filho da puta bem sucedido é exemplo de sucesso. A máxima moderna é uma só: pagando bem, que mal tem?
A sociedade consumidora, a que tem dinheiro, a que produz, não pensa em mais nada além da imagem, imagem, imagem. Imagem, estética, medidas, beleza. Nada mais importa.

Não importam os sentimentos, não importa a cultura, a sabedoria, o relacionamento, a amizade, a ajuda, nada mais importa. Não importa o outro, o coletivo. Jovens não tem mais fé, nem
idealismo, nem posição política. Adultos perdem o senso em busca da juventude fabricada.

Ok, eu tambem quero me sentir bem, quero caber nas roupas, quero ficar legal, quero caminhar, correr, viver muito, ter uma aparência legal mas...Uma sociedade de adolescentes anoréxicas e bilímicas, de jovens lipoaspirados, turbinados, aos vinte anos não é natural. Não é, e não pode ser
Que as pessoas discutam o assunto. Que alguém acorde. Que o mundo mude.
Que o amor sobreviva.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Em Busca do Cavalheirismo...

Certo dia após constatar uma cena absurda de agressão verbal de um motorista com uma idosa passei o restante do dia pensando na nossa educação formal, nas boas maneiras e... no cavalheirismo! Sim, o mesmo cavalheirismo fora de moda, um tanto ultrapassado. Não consegui deixar de pensar no cavalheirismo e na figura de alguns cavalheiros, encantadores no que tem de singelos, e profundamente sedutores no que têm de loucos.

Em suas viagens pelo Brasil, Charles Darwin não deixou de se impressionar com a lógica sob a qual funcionavam as boas maneiras das nossas classes abastadas. Extremamente doces e bem comedidas, bastava que lhe contrariassem em uma vírgula as opiniões preconceituosas ou os mesquinhos interesses para que mudassem completamente de atitude. Não sei se encontraríamos ai cavalheirismo, mesmo com todas aquelas maneiras pomposas e comedimentos extremamente falsos, revelando pouca ou nenhuma disposição para com o ser humano, muito menos para com aqueles que não julgam, de forma alguma, serem seus semelhantes.

Tentei recorrer ao engenhoso fidalgo de La Mancha, em suas exasperadas aventuras pelo amor de sua doce donzela. Mas como me pareceu cafona tudo isso! Além do mais, ver em uma mulher tudo o que ela não é, somente pelo gosto de encantamento abstrato, falso e ridículo em seus desdobramentos, me parece uma terrível falta de cavalheirismo e respeito à dama, como se a mulher em seus sonhos, belezas e desejos, fosse apenas um objeto ou repositório dos devaneios de um pobre louco. Definitivamente, Dom Quixote também não é um cavalheiro.

Me lembrei então de uma crítica de cinema realizada pelo poeta Vinicius de Moraes, do filme “Luzes da Cidade”, de Charlin Chaplin. No subtítulo da crítica se podia ler: “o perfeito cavalheiro”. Para meu agrado, o poeta travestido em crítico solapa o cavalheirismo impessoal da alta sociedade: “Ser ‘bem’ significa, para essa inoportuna casta, ser igual, ou melhor, ser como a tradição da casta exige: impessoalmente pessoal na elegância, casual na relação, vago no dizer, distante no sentir, e sempre afirmativo no não-ser.” Para logo depois, defender o cavalheirismo de Carlitos, o vagabundo: “Carlitos é o antigrã-fino. Sua adorável elegância parte de uma natureza especialmente bem disposta para com o ser humano. Num mundo e numa sociedade que o ostracizam, esse imortal vagabundo atinge o perfeitamente cordial”.

O fato é que Carlitos é mesmo um perfeito cavalheiro. Não por pompa nem por etiqueta, apesar dos levíssimos gestos e trejeitos que compõem sua doçura, mas por sua atitude em relação à vida, sua simplicidade, sua indignação com as injustiças e seu digníssimo amor pela mulher amada. O amor real, aquele feito de medos e coragens, do medo de assustar e da vontade de escrever poesias, mesmo que tudo, a partir daí, já esteja mesmo perdido. Carlitos é o cavalheiro do deixar-se rir só por estar em companhia da bem-amada, é o cavalheiro que humilhado por crianças zombeteiras e grosseiros poderosos não se esquiva dessa estranha vontade de viver a vida altivamente, até o último suspiro.

O verdadeiro cavalheiro, parece mesmo ser aquele que vive impunemente a vida. Falo de uma certa diplomacia, de um deixar-se apreciar cada momento, com olhos doces, prontos para abraços e para adeuses, mas eternamente atento e cuidadoso em descobrir um novo mundo, com a mesma pureza de uma criança de olhos esbugalhados e boca aberta, mesmo que ao preço do desleixo das convenções e mesmo ao sacrifício da etiqueta. Talvez o destino de cavalheiros como Carlitos seja mesmo estarem à margem da sociedade, o que aliás parece conferir também uma certa liberdade às suas maneiras e dignidade à sua caridade.
Brindo a esta liberdade, a esta preguiça, a esta doçura. Nem sei se isso deveria mesmo chamar-se cavalheirismo, idéia de um tempo que já passou e parece não ter mais lugar em nossos mundos. Mas a figura do vagabundo Carlitos parece retornar todos os dias, não como incômodo, mas como doce consolação da possibilidade de amar em paz e encontrar justiça nesse sentimento.