terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

No Coração do Progresso

Há séculos a civilização ocidental vem correndo atrás de tudo o que classifica como progresso. Essa palavra mágica aplica-se tanto à invenção do aeroplano ou á descoberta do DNA. Mas quero chegar logo ao ponto, e convidar o leitor a refletir sobre o sentido dessa palavra, que sempre pareceu abrir todas as portas para uma vida melhor.

Quando, muitos anos atrás, num daqueles documentários de cinema, via-se uma floresta sendo derrubada para dar lugar a algum empreendimento, ninguém tinha dúvida em dizer ou pensar: é o progresso. Uma represa monumental era progresso. Cada novo produto químico era um progresso. As coisas não mudaram tanto: continuamos a usar indiscriminadamente a palavrinha mágica. Mas não deixaram de mudar um pouco: desde que a Ecologia saiu das academias, divulgou-se, popularizou-se e tornou-se, efetivamente, um conjunto de iniciativas em favor da preservação ambiental e da melhoria das condições da vida em nosso pequenino planeta.

Para isso foi preciso determinar muito bem o sentido de progresso. Do ponto de vista material, considera-se ganho humano apenas aquilo que concorre para equilibar a ação transformadora do homem sobre a natureza e a integridade da vida natural. Desenvolvimento, sim, mas sustentável: o adjeivo expime uma condição, para cercear as iniciativas predatórias. Cada novidade tecnólogica há de ser investigada quanto a seus efeitos sobre o homem e o meio em que vive. Cada intervenção na natureza há de adequar-se a um planejamento que considere a qualidade e a extensão dos efeitos.

Em suma: já está ocorrendo, há algum tempo, uma avaliação ética e política de todas as formas de progresso que afetam nossa relação com o mundo e, portanto, a qualidade da nossa vida. Não é pouco, mas ainda não é o suficiente. Aos cientistas, aos administradores, aos empresários, aos industriais e a todos nós - cidadãos comuns - cabe a tarefa cotidiana de zalarmos por nossas ações que infletem sobre qualquer aspecto da qualidade de vida. A tarefa começa em nossa casa, em nossa cozinha e banheiro, em nosso quintal e jardim - e se estende à preocupação com a rua, com o bairro, com a cidade, com o planeta.

"Meu coração não é do tamanho do mundo", dizia o poeta. Mas um mundo que merece a atenção do nosso coração e da nossa inteligência é, certamente, melhor do que este em que estamos vivendo.
Não custa interrogar, a cada vez que alguém diz progresso, o sentido - talvez oculto - da palavra mágica empregada.

Por Alaor Adauto de Mello 

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Carnaval: a festa do vale-tudo!


O carnaval é definido como “liberdade” e como possibilidade de viver uma ausência fantasiosa e utópica de miséria, trabalho, pecado, obrigações... e deveres. Trata-se de um momento onde se pode deixar de viver a vida como fardo e castigo. É, no fundo, a oportunidade de fazer tudo ao contrário: viver com excesso de prazer, de riqueza, de alegria, de riso; de prazer sensual que fica – finalmente – ao alcance de todos.
Este sentido de “pode tudo”, que segue mais ou menos a lógica do “jeitinho” no dia-a-dia ganha força neste período carnavalesco. Como se fosse uma catarse coletiva há uma euforia no ar – mesmo de quem está distante da chamada folia. Não se trata de uma festa... É a FESTA.

Sai o uniforme, entra a fantasia; Saem 08 horas de trabalho, entram 08 horas atrás do trio elétrico, do frevo, das escolas de samba. Tudo pelo prazer, tudo pela sensação de liberdade que a maior festa popular do mundo oferece. Neste mundo de prazer e alegria, todos os outros assuntos ficam em segundo plano. Sob a justificativa do bordão “É carnaval!”, fatos importantes ou relevantes são deixados de lado. Ou mesmo o que acontece ao lado do folião é desprezado, esquecido.

O carnaval de Salvador recebe o título de “maior festa com participação popular do mundo”. Estima-se 2 milhões de foliões atrás dos trios elétricos de seus artistas preferidos ou não. O antigo folião pipoca, aquele que não saía em blocos com abadas ou não comprava seu acesso a camarotes, está em vias de extinção. Ainda há a participação popular nos blocos menores, mas estes não saem durante o Jornal Nacional. Outro aspecto que merece atenção é a violência policial utilizada, claro, nos “ppp’s”: Pretos, pobres, periféricos. Assistindo a cobertura do Carnaval pela TV tudo é muito bonito e democrático. E é só festa e alegria.

Exploração sexual de crianças e adolescentes que aumenta durante este período, hospitais lotados com pacientes que extrapolam na festa e arrumam confusões, acidentes de trânsito por alcoolismo que a cada ano batem recordes, tanto nas cidades como nas estradas... Todos estes assuntos são relegados a segundo, terceiro plano. O negócio é a folia, a festa, o vale-tudo, a todo e qualquer custo... Mesmo que o custo seja um abadá comprado por 3 mil reais ou o aluguel de uma quitinete por 4 mil reais por 4 dias.

Não pretendo tornar este texto negativista ou conservador. Não é a intenção. Carnaval é mesmo uma grande festa e há diversão para todo gosto e bolso. Mas viver 1 semana distante do “mundo chato e uniforme” também não é boa idéia: Mais um bebê é encontrado no lixo em São Paulo. Mesmo com toda as festividades ocorrendo no país, não dá pra desprezar isso.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Partos Conscientes: O Mundo Precisa Disso

O que era íntimo, feminino, doméstico, hoje em dia se transformou num ato médico, hospitalar, frio... É preciso que mais e mais mulheres se preparem para ganhar suas crias através de partos conscientes, rompendo com mandatos internos ligados ao que aprenderam na família e na nossa cultura moderna. Não apenas pelos cuidados com o bebê, que merece vir ao mundo com todo o respeito e amor, mas também pela mulher que é totalmente transformada pela vivência de se tornar mãe.

Humanização do Parto. Por Quê?
Nascimento… Palavra que suscita memórias, momentos fortes, início da vida... Todos fomos bebês um dia, passamos do ventre ao mundo externo. Alguns nasceram facilmente, outros com muita dificuldade. Cada nascimento é uma história única, singular, nenhum nascimento é igual ao outro, assim como nenhum ser humano.

Ao longo da história da humanidade, as formas de parir vieram mudando, recebendo interferências de toda a tecnologia criada pelo homem civilizado. Em tempos remotos, qualquer problema durante um nascimento poderia significar a morte da mãe e/ou do bebê, muitas vezes apenas um poderia sobreviver a determinadas complicações. A tecnologia veio para minimizar a quantidade de mortes, a medicina entrou no mundo dos nascimentos para poder garantir a segurança de mães e bebês.

No entanto, após séculos de desenvolvimento tecnológico do meio médico, o excesso de tecnologia, em nome da segurança, acabou por afetar muito a qualidade dos nascimentos. A naturalidade perdeu-se e os partos deixaram de ser eventos fisiológicos e passaram a ser eventos médicos, a parturiente deixou de ser ativa e se tornou paciente. O parto "normal" se tornou raro e o normal se tornou o parto por cirurgia cesariana.
Todas essas modificações tiveram enorme peso sobre a forma de ser mãe. A gestação e o momento do nascimento do bebê são, para a mulher, um processo de muitas mudanças. Todas as alterações fisiológicas e psíquicas que advêm da gestação e do parto traduzem o trabalho da natureza de preparação da mãe que está por vir. Fisiologicamente, o corpo da mulher grávida recebe uma grande dosagem de hormônios que preparam o corpo para o desenvolvimento e nascimento do bebê. O corpo da mulher se torna mais flexível.

No entanto, existe uma conexão entre o corpo humano e o psiquismo, a mente, as emoções. Tudo o que acontece com o corpo está intimamente ligado a estes âmbitos. Logo, todas as alterações fisiológicas que ocorrem na gravidez falam também de alterações psíquicas, emocionais. A flexibilidade do corpo também está presente psiquicamente, o inconsciente fica mais acessível à consciência, a percepção fica mais refinada, a sensibilidade se aguça.
A gestação de um filho traz para a mulher um estado psíquico mais regredido, é como se ela pudesse se conectar novamente com seu lado infantil. Simbolicamente, a criança gerada dentro dela a conecta com a criança que ela também foi e que, em algum nível, ainda está presente. Passar por este estado comumente traz lembranças, memórias infantis, e o próprio ambiente familiar pode servir de motor para "desenterrar" memórias da futura mãe: conversas sobre bebês, sobre educação, sobre a relação mãe-filha, pai-filha, irmãos. A gestante pode entrar em contato com diversas lembranças que talvez estivessem guardadas e esquecidas há muitos tempo. A natureza, em sua sabedoria, proporciona essa flexibilidade psíquica e maior sensibilidade para que a mulher possa ser uma mãe melhor. Ao olhar para o passado, lembrar de sua infância, de como foi sua experiência de ser filha, a mulher pode transformar sua vida, fazer novas escolhas, resignificar seus traumas, suas crenças e sua experiência de vida.

No entanto, com toda a correria de nossa sociedade, é muito comum as mulheres passarem o período de gestação de forma atribulada, pensando mais nas questões do bebê ou nas condições externas do que no seu próprio processo enquanto gestante. O parto é um momento de ápice nesse processo, o momento em que ela vai se deparar definitivamente com a maternidade. A preparação para o parto comumente é restrita a procedimentos técnicos, como o pré-natal médico, que trata mais das questões fisiológicas, e a escolha da maternidade. O número de mulheres que passam por uma preparação profunda para o momento de parir, englobando aspectos, físicos, emocionais, espirituais, ainda é muito reduzido.

O que é preparação para um parto consciente?
O ápice da produção hormonal acontece exatamente durante o trabalho de parto. O momento do nascimento tem um potencial muito transformador para a mulher, exatamente por ser o clímax do rito de passagem que é a gravidez, o instante em que efetivamente a mulher se torna mãe, o bebê deixa de ser interno, se separa da mãe. Neste momento, o corpo está inundado de hormônios em uma dosagem que em nenhum outro ciclo ocorre na vida de um ser humano, e pode-se dizer que durante o trabalho de parto, imersa nessas alterações químicas, a mulher está em um estado alterado de consciência.
Se você perguntar a qualquer mulher que tenha parido um filho, ela dirá sobre este estado e muitas vezes ele fica claro para quem está acompanhando o processo. Este estado faz parte dessa sabedoria da natureza, é o momento do nascimento do bebê e da mãe. Quanto mais a mulher estiver consciente e presente em si no momento do parto, maior a possibilidade de este ser um evento profundamente transformador para ela. Muitas mulheres relatam que o parto foi uma virada em suas vidas, um momento em que puderam se conectar pela primeira vez com sua força, com sua feminilidade.

Por isso a preparação é tão importante. Não apenas pelos cuidados com o bebê, que merece vir ao mundo com todo o respeito e amor, mas também pela mulher, que assume um novo papel, que nasce como mãe. Mesmo que ela já tenha tido um filho antes, a cada gestação novas transformações acontecem, é um ser diferente dentro dela, e ela também terá que renascer como uma nova mãe. A preparação para um parto consciente é a preparação para ir fundo neste processo de parir, para estar ali com totalidade, presente em todos os sentidos e escolhas, ampliando a percepção, sentindo com o corpo inteiro.

Um dos principais entraves à vivência plena do momento do parto é a desconexão com o corpo. A grande maioria das pessoas tem uma relação distante com o próprio corpo. A musculatura em geral está muito tensa, contraída, como reação defensiva crônica ao estresse em que vivemos. Essas tensões crônicas modificam completamente nossa percepção e sensibilidade corporal. Quando sentimos dor, a primeira reação é contrair o corpo para que a dor desapareça mais rápido. No entanto, no momento em que contraímos, a dor se intensifica. É um paradoxo, mas assim fazemos inconscientemente em diversas situações de nossas vidas, não apenas em relação à dor física. Se estamos com raiva, nos contraímos para suportá-la, se estamos tristes, nos contraímos para não chorar, e assim seguimos.

No momento do parto, todas as crenças que nossa sociedade alimenta relacionadas à dor podem surgir, todos os medos da mulher podem vir à tona. A primeira reação será a de contrair-se. No entanto, o corpo trabalhou durante toda a gestação para abrir-se e flexibilizar-se exatamente porque isso é necessário para que o bebê nasça. Todo esse trabalho da natureza vai por água abaixo quando a mulher se deixa levar por medos e crenças negativas. Sem a consciência de como tudo isso afeta o seu corpo, fechando-o, tensionando-o, a mulher possivelmente enfrentará um trabalho de parto difícil, doloroso, talvez até problemático. Quanto mais ela estiver consciente e conectada com seu corpo, percebendo se há tensões, utilizando-o de forma a permitir que ele faça o trabalho dele, melhor será para ela e o bebê.

Repetimos fórmulas sem termos consciência do que estamos fazendo - A ampliação do nível de consciência geralmente acontece com um treinamento, e o fato da mulher estar mais sensível na gestação favorece a que ela consiga perceber as coisas mais rapidamente e facilmente do que talvez acontecesse se não estivesse grávida. Por isso, preparar-se para o parto ao longo da gestação poderá fazer toda a diferença. Se a mulher puder se conectar mais com seu corpo de forma consciente, se puder tomar consciência dos medos que estão presentes em sua subjetividade, como eles aparecem em seu corpo, se puder ir limpando todas as questões que possam ter sido traumáticas para ela, tudo isso poderá ser de grande valia para que a gestação e parto possam ser mais conscientes e plenamente vivenciadas pela mulher.

Muitas questões relacionadas à figura da mãe podem surgir durante a gravidez, a forma como fomos criados por nossas mães terá grande influência na forma como seremos mães. Há uma forte tendência em repetirmos muito do que vivenciamos com nossas mães, e geralmente isso acontece sem que tenhamos consciência. Outras vezes, pode ser que aconteça de fazermos tudo ao inverso do que nossas mães faziam. Não há nada de errado em fazer algo igual ou diferente do que nossos pais faziam, o problema está no fato de que muitas vezes repetimos as fórmulas sem termos consciência clara do que estamos fazendo, de que essas são realmente as escolhas que queremos fazer. Cada criança é um indivíduo diferente, único, e o perigo da repetição inconsciente é que o que fazemos pode não ser o melhor para aquele bebê, aquela criança, pois é um contexto novo.
Além disso, quantas vezes agimos sem consciência exata do que estamos escolhendo fazer e depois vemos que poderíamos ter escolhido diferente e melhor? Se durante a gestação a mulher puder se preparar e olhar mais a fundo suas motivações inconscientes, as marcas que ficaram de suas próprias vivências com seus pais, isso poderá ajudá-la a tomar suas decisões com mais consciência das conseqüências, com mais maturidade e autonomia. E, quando falamos de parto, o que comumente acontece é que muitas impressões a respeito do momento de parir são transmitidas de mãe para filha, geração a geração. Poder olhar para isso, para os mitos que herdamos da família ou da sociedade, com certeza também irá auxiliar a fazer melhores escolhas com relação ao parto e a ficar menos suscetível e vulnerável às influências externas.

E mais: é preciso ter a consciência de que tudo isso se reflete no corpo da futura mãe, portanto, mexer nessas questões psíquicas implica também em mexer com o corpo dela, trazer a consciência corporal. Por isso, atividades como yoga, massagem e respiração ao longo da gestação ajudam muito a melhorar a qualidade dos partos, especialmente se vierem associadas a um trabalho de ampliação da consciência e à elaboração de questões psíquicas e emocionais. Tudo o que favoreça à ampliação da percepção, da sensibilidade, a conexão com o corpo, com os sentimentos, a auto-observação, pode ajudar para que a experiência de parir e de ser mãe possa se tornar cada vez mais consciente e responsável. Quanto mais as mulheres puderem vivenciar com plenitude esses momentos tão especiais de suas vidas, maior a possibilidade de que as futuras gerações tenham esta vivência também modificada, pela transmissão de novas experiências.

Por Josie Zecchinelli: Psicoterapeuta Corporal e Educadora Perinatal


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